quarta-feira, 19 de maio de 2010

A responsabilidade foi do pudim…

Ainda sinto o palpitar da máquina, a tentar restabelecer os batimentos cardíacos e a fazer um esforço para baixar os níveis da adrenalina… nunca me passou pela cabeça que uma ida à cozinha para salvar o meu belo pudim, sim salva-lo do dia seguinte, acabaria em tamanha agitação e iria resultar numa detenção em flagrante delito…

O pudim por mais incrível que pareça salvou-se da minha gula, está a olhar para mim e eu nem ai para ele, vai mesmo ficar para amanhã, agora só um trago de whisky me faz descer á terra e relatar o filme desencadeado pelos sentidos apurados aos barulhos alheios…

Pois bem abri a portita do “frigo” aquele que a maior parte do tempo nos sorri quando metemos a cabeça lá dentro como se fossemos á descoberta de um achado perdido… e ouvi vindo da rua um martelar seco de quem quer partir algo que não cede… a curiosidade mata e lá estava eu a dar de caras com a tentativa de um assalto a uma viatura… eu que ia assaltar o frigorifico deparo-me com um assalto real daqueles que vimos nos filmes?

Pára tudo… Age rápido, o que tens tu á mão para assustar o ladrão? Um quarto de queijo duro? Lanço o dito contra o carro? Grito? Ohh páa larga isso? Denuncio-me assim? Pensa, pensa rápido…luzes apagadas já…já… telemóvel tem o numero da PSP enquanto fico de guarda tento a chamada e as tentativas de derrotar um vidro teimoso permanecem, ligo mas o numero…. Mudou… mudou?

Normalmente é assim quando mais precisamos, os obstáculos surgem a porem-nos á prova, liga o 112…112...eles dão o numero… um atendimento eficiente rápido a fazer a ligação directa… em breves segundos consigo descrever ao agente a localização e identificar a viatura, num pedido de auxilio para que este furto fosse atempadamente travado, quem atendeu percebeu na integra o desenlace do filme e activou os meios, estão a 3 minutos do local…e nisto vou dando conta que o indevido já está dentro da viatura num “moche” de movimentos agitados em tentativa de uma ligação directa embarricado na sua sorte…

Que minutos longos… na expectativa da chegada de reforços reais contra o meu queijo duro que ainda pensei arremessar do alto do meu poleiro… chegaram em sentido oposto perspicazes… estacionaram ao lado… flagrante…vieram 2 (ouvem-se os gritos) sai do carro já…posicionam-se um de cada lado, o litigante já está clausulado de portas trancadas e vejo em tempo real a adrenalina de 2 homens iguais a tantos outros a enfrentarem o desconhecido, num misto de medo e bravura.. Gritam… abre essa merda já…. salta cá para fora, baixa a arma…

Enquanto isso sinto a minha batida cardíaca subir para 200, salta-me do peito… mas vou assistir sem me colocar em risco… há armas… pode ser mais grave do que inicialmente previa… ele insiste em resistir não cede á rendição iminente perante o flagra… oiço de novo a voz firme da autoridade baixa a faca… abre o carro “caral…” e tentam também em vão partir um vidro…

De salientar vidros duros de ceder merecem o prémio: “estorvo ao ladrão e a quem zela dar a mão” a agitação instala-se entre a policia oiço um grito eu mato-te cabr… abre essa merda… sente-se a voz tremula como se um hesitar naquele momento pudesse resultar num erro trágico, mas firme ciente que vai agir … oiço um tiro seco… abaixo-me… sempre ouvi dizer que se pode morrer de uma bala perdida…intimidam sim…

Regresso á cena… apercebo-me que foi um tiro intimidatório… acaba de chegar mais uma viatura com 4 indevidos à paisana (banditismo, policia especial)? Pouco importa, chegaram reforços para actuação e o indevido ainda entrincheirado na viatura (neste momento questiono-me o porquê daquele jovem não condescender?) cede…não sejas idiota… digo baixinho num tom de tristeza a pesar-me alguma culpa… é tramada a posição em que a vida por vezes nos coloca… fazer o certo não tenho dúvidas… mas o preço por vezes é doloroso… e era já uma aflição o que sentia a assistir ao prolongar daquela angustia que de certo se tinha instaurado dentro daquele carro… oiço a voz de uma mulher que sobressai entre a deles… Abre o carro, tens que sair… mais serena, num apelo á consciência será que nestas alturas ela está lá?

Conseguiram abrir a viatura á força, os gritos de pânico soltam-se não se percebe o que se grita… num agarrar com a robustez que é exigida nestas horas, num desatar da adrenalina e do descomprimir de toda a tensão envolvente… sente-se bem no ar o peso…

O lançar do corpo no chão o amordaçar as palavras e os gritos de medo… que vem das profundezas do ser, estava ali tudo espelhado... perante os meus olhos e a invadir-me a alma com tanto sentir…

Percebo que levou uns abanões… umas chapadas depois de algemado, seria necessário? Faz parte do descarregar da tensão que ele próprio causou? Não consigo julgar a esta hora…

Mais uma viatura… oiço a central que está ligada a solicitar mais reforços para o local… chega mais uma equipa… nesta está incorporado um agente que se aproxima do transgressor e diz: Sabes o que acabaste de fazer? Sabes que acabaste de perder a tua identidade? O teu nome? O BI? Que passaste a ser um numero? Que deste cabo da vida, quando deverias estar a trabalhar, a estudar a olhar por uma família, já te deste conta das perdas?

Perante estas palavras impera o silêncio… um silêncio que é mortífero… dá que pensar… perde-se muito por tão pouco…

Eu perdi o sono… mas poderei recuperá-lo… e ele irá recuperar o seu?

Após o abandono de todo o staff do local do crime tive que enaltecer pessoalmente o serviço prestado pelo 112 sem me questionarem, pela rápida passagem da minha chamada á central operacional da PSP que coordena as viaturas no concelho, e a sua intervenção rápida assim como os meios que colocaram ao dispor da ocorrência.

Sei que lhes foi passado via rádio a minha mensagem de dever cumprido e que de resposta tive um disponha sempre (mande vir)… o mande vir mando sempre, seja bem ou mal.

Sou muito critica e não me poupo nas palavras aguçadas, mas também sei reconhecer os que se esmeram por fazer um bom trabalho!

A culpa foi do pudim…

Mrs. Indigitada



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